Os dias são outonos: choram...choram... Há crisântemos roxos que descoram... Há murmúrios dolentes de segredos... Invoco o nosso sonho! Estendo os braços! E ele é, o meu amor, pelos espaços, Fumo leve que foge entre os meus dedos!

-Florbela Espanca-

domingo, 27 de abril de 2014

Sobre os loucos e melancólicos

Porque a melancolia não pode ser um tipo comum de personalidade?
Como num partido político se diria — Fulano é melancólico!
Quando passasse com seu carro tunado tocando Coldplay.
Luta-se pela liberdade dos shorts curtos...
Eu gostaria de usar minhas bermudas sem que me julgassem lésbica,
Eu gostaria de passar dias sem pentear o cabelo sem que me julgassem louca,
Os saltos doem os pés, não importa se é usaflex, eu tenho alma!
Empregaríamos os psicólogos em uma causa mais necessária,
Tratariam eles de colocar contenções nos prédios,
Dar carne fresca aos leões do circo, e a gente ri? E alguém se importa?
Eu faria você engolir sua bituca de cigarro se eu pudesse...
Mas quem seria a louca? Mas eu vi o peixe morto que não tinha nada a ver com sua carniça,
A loucura chega, insiste em me levar pra passear... —Vamos pra terra do nunca?
Porque nunca chegamos lá?


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Oráculo

Fique longe das sementes de teus damascos frescos
Menina das tranças rosadas, vestidos azul bordado,
E das sapatilhas feias!

Elas já a matariam por não lhes passar a garganta...
Não envergonhe-te das sapatilhas sujas da tua terra,
Mas elas são tão feias!

Me diga, — Quem está apertando mais teu coração?
A tua miséria ou as sapatilhas feias?
Naturalmente uma não é consequência da outra...

Me diga — Que fada anda apertando a barriga do teu bicho?
Não há nada pra temer, a não ser que você os deixem dizerem;
- Pobrezinha, mas que sapatilhas feias!

Fique longe ainda das sementes de olho-de-cabra
Embora essas possam passar em tua garganta estreita,
Passe-a como colar, e ofusque as sapatilhas feias...

O céu a noite toda se pinta e se repinta e pode mudar...
Veja tuas sardas no espelho como constelações,
Veja só, tens pés bonitos.




quinta-feira, 10 de abril de 2014

Bordog

Óia, é bordog memo!
Disse o pedreiro, o padeiro e o lixeiro...
E onde foi tirou um sorriso,
E tentou cruzar com uma perna.
Nó beijamos seu focinho captonê
Noite e dia,
Seco ou molhado.




quarta-feira, 2 de abril de 2014

Canção a Gal

O meu café doce e gelado, porque fervendo é veneno,
O meu rosto colado no que eu só chamo de meu amor (só eu)
Pintando retratos no escuro — O cego que pode ver!
Me refaça o contrato, pra eu não lhe perder

Por acaso sou só minha, só minha, sominha
Por acaso sou sozinha, sozinha, sozinha.

Evitando os espaços, os espasmos, a luz,
Recompondo os pedaços, enlitrando o sangue de Jesus,
Dirigindo o fracasso antes de bebe,
Me refaça o contrato, pra eu não lhe perder

Por acaso sou só minha, só minha, sominha
Por acaso sou sozinha, sozinha, sozinha.