Os dias são outonos: choram...choram... Há crisântemos roxos que descoram... Há murmúrios dolentes de segredos... Invoco o nosso sonho! Estendo os braços! E ele é, o meu amor, pelos espaços, Fumo leve que foge entre os meus dedos!

-Florbela Espanca-

sábado, 27 de dezembro de 2014

Você não ia gostar de mim

Ai de mim que você não ia gostar
Nem de meu cabelo ralo;
Minhas bochechas de lua,
Não valem estas milhas por estas migalhas
Talvez gostaria de meus seios
O que vocês dizem sobre caber na...
Mas o iria querer maiores
Porque você tem uma boca
de lobo sedento por tripas

Olhos perdidos

Eu nem sei qual a cor dos teus olhos,
Porque não os olho fixamente,
Olho como quem faz mal em olhar,
Vejo um vulto de ausência de dominância,
Transpassam, vejo o aneurisma,
Vejo dois pontos de intrepidez e latência;
Que se confluem, ciclope imortal?
Olho perdidamente, olho por olhar,
Quanto ao brilho dos meus?
São só lágrimas, lágrimas...

A mosca na pele






moscas que beijam meu corpo
meu copo
e fazem pintura de mãos com o vinho
cócegas no pelo
cruzam sobre o suor
moscas que são tão belas
quando não estão em cima de você
ou salpicando sua orquídea branca...
ou te despertando do melhor sonho...
fazem-me pensar numa morte digna
o que é uma morte digna?
pra um inseto que se afoga em água com soda
é certamente o esmagamento
mas pro mosquito veloz e zombador
cuja morte já é tão precoce...
deixo-o aproveitar-me

domingo, 21 de dezembro de 2014

Receita de sedução



by Miley Cyrus: esfrega, esfrega, esfrega e carregue
by Madona: Sutiã pontiagudo, fure os olhos e carregue
by Marilyn Monroe: deixa que o vento se encarrega
by Amy Winehouse: embebeça  e carregue
por Gilberto Gil: tô cansado de esperar...
por Enia Celan: caminhar na direção contrária,
obstinadamente...

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

pescotapa

um brontosaurus 
em fila indiana,
fingindo que não via,

mas via, a avestruz,
que tão logo sentia,
sumidouro no peito.




quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A órbita dos homens secos e molhados

Nas chuvas que se lembras de mim?
Mas no inverno que lembrei de ti
O tempo seco como tua alma, não voltarás...
Esturricava cada um dos meus sentidos,
Labaredas da lenha podre de São João
Crepitavam como essa chuva agora,
Não caí em mim que fogo e água não...

Tusso destroços oblíquos, enigmáticos,
Põe um ímã só pra me repelir,
Outro pra atrair qualquer hímen por aí...
Ao menos presa em ti eu não me sinto,
E se posso apagar seu brilho fácil,
É por ter o alibi de você não ter pagado;
Não ter querido os meus lábios molhados




 


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Multifacetado

Cacto enfeitado na escuridão,
Sabes que é belo, e basta.
A tempestade lhe arranha a face,
Mas lhe sobra a outra metade;
Dá teu fruto cor-de-rosa
A quem insiste ser abóbora.
Cega o homem inquieto,
Despreza o porco espinho,
Cai
Se apaixona pela rosa,
Levanta, chama o sol
Arde, espeta, congela
O momento é único,
Já passou, cresce, desvia
Retrai, amolece, apodrece...


sábado, 22 de novembro de 2014

Baboseira em flor

Havia uma cortina maligna ali, um portal obscuro, primeiro entrei com as mãos, depois arrastei os pés, não sabia bem porque precisava retornar, mas precisava, cada canto daquele lugar... Em queda livre, mas agora devia ser pra enfrentar os meus medos, era como visitar a casa dum feiticeiro que perdeu a magia. As paredes  ainda queriam me engolir, mas eram tão mais velhas, rachadas e sujas.
O abandono mora ali, não importa quanto tempo passe, sei que o abandono mora ali. Um certo demônio desenhado a carvão pelo chão não me impediu de dar um último passo aos fundos — Vamos para o meu escritório! Quase pude ouvir. Caro Well, se te fiz algum mal, explique-me porque aquela babosa em flor foi a coisa mais bela que ali vi.  

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

pare, esqueça e não perturbe



eu aprecio aquele silêncio
que vem do íntimo
aquele reflexivo que diz
siga ou pare
esclareça ou esqueça
perturbe ou não 

eu aprecio aqueles seres cheios de luz
tão atônitos a tudo quanto podem
mas eu sou o gato negro das sombras
a ave careca do cume
quando você já lidou com todos os medos que podia
o que sobra?
a sombra...
mas o só acreditar em si
não deve ser confundido ao egoísmo
às vezes

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Doença venérea



Eu teria te comprimido em meu mundo de cristal com coisas perfeitas,
Eu o agitaria todo dia pra assistir a neve caindo em sua cabeça...
Mas minha compreensão te deprime,
E tudo que vem dela te reprime, você queria algo difícil...
Eu pensava que era filosofia, eram brigas...
As histórias acabaram tão antes de começarem as novas.
A lua cheia ainda cresce em minha cabeça,
Na vida passada, meu cavalo fodia com o seu!
Esta é nossa estúpida ligação,
Só esteve dentro de mim, feito doença venérea.

Ame a poesia



Quando a poesia é a sua única arma Ame-a
Empunhe no peito, na cabeça, mas não a tire.
Deixe-a causar dentro de si leves tormentos,
Palpitações noturnas, ansiedades diurnas...

Mas a poesia deve ficar, sangria e arredia.
Sinta o prazer de ouvir esta louca todo dia
Gritando por todo ar que respiras:
Corra para o seu instrumento escrevedor!

Não digas jamais: saias de mim poesia!
Viva este sonhar acordado sem retorno,
Se não sabe quem és, escrevas o que quer.

Dedique, rime, não rime, suplique, rasque.
Amanhã? Não tem, já teremos sido outrem,
O sentimento ruim saiu... O bom multiplicou.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Dos distúrbios duma cidade grande



  Abaixo de minha janela tem uma família que briga o dia todo, o filho mais novo esgoela música gospel... Eu vi o dono da banca quase bater em sua mãe enquanto me atendia. Cachorros de rua não têm todos já devem ter morrido atropelados. As pessoas tem um ar de “que que tá olhando” e  sai da minha frente... A promoção do prato feito é a seguinte: se você comer um prato grande, paga R$10,00 e ganha um suco, mas se você é do tipo de mulher pequena, que come pouco e pede para o prato ser menor, aí você tem que pagar R$12,50...  A maioria das pessoas não gosta do que fazem, da pra ver nos olhos delas, uma previsível falta de vontade... Pedi para um taxista me levar a uma boa livraria, e pra minha surpresa; lá estava, uma boa papelaria.
A noite não tem sapos e cigarras, é dos alarmes, que tocarão insistentes de cinco em cinco minutos... E quanto às estrelas? — São quadradas.