Os dias são outonos: choram...choram... Há crisântemos roxos que descoram... Há murmúrios dolentes de segredos... Invoco o nosso sonho! Estendo os braços! E ele é, o meu amor, pelos espaços, Fumo leve que foge entre os meus dedos!

-Florbela Espanca-

domingo, 29 de dezembro de 2013

Ossada

Cotonete hoje são os ossos brancos dum negro,
E mesmo que você não queira ver,
Vos será enfiado na cara — Roa estes ossos!
São dum Anderson Silva, são da publicidade,
Ensinar um pouco de selvageria não machuca,
Deixe a preta ser agredida e a branca sonhar
com o tutano nas coxas de madrugada.



(tem a ver com Paul Celan...)




sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Judia

Tiraram-nos,
Ainda atiram-nos?
Bato o pé que ficaremos,
Ninguém mais tira.


quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Torcicolo

Noutros dezembros,
Abriam-se as cassias,
A chuva inda cheirava bactérias,
E eu, ia saber que era feliz?
Rola a pedra da torre
E minha cabeça parte como noz,
É natal, e minha cabeça partiu como noz
E lateja feito cereja,
Meu quarto parece os quintos,
Onde está todo o vendo de Assis?




sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Morte Gourmet

Abobrinha irritadíssima:
— Colhem minhas flores depois mesmo de eu abri-las. (e se dá conta também) Cadê meu broto?

Alcaparra irritadíssima:
— ah! colheram as minhas antes mesmo de eu abri-las!

Esturjão entra aos gritos:
—  HAAAAi  ESFAQUEARAM MINHA PEIXA!!!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Ocre e Oco

Em Acapulco pegue o trem catapulta,
Caia aqui sobre os meus pés pequenos,
Vou tentar tocar blues no seu pandeiro.
Você não pode voar entre meu abismo.
É uma ordem. Não, eu bem sei que...
Deus! Eu dormiria no teu cabelo...
O piolho magrelo do teu cabelo!
Fique quieto por aqui.
Vês que sou casa na árvore do teu baobá?
Mas baobá não precisava de casa nenhuma,
Tem magnificência própria, não és madeira morta,
 — Mas, Deus!
Venha comer macaúba no meu pé?
Eu bem me banharia no teu oco ocre
Poço de... Que gosto tem água de baobá?
De baba? de nada? de coco?
— De coco!
Gole, gole, gole, socooorro!
Alguém pode me ouvir? Bálsamoooo? mooo ooo ooow
Kau-W au-A-Mahum
E assim o Deus me afogou no seu ocre oco.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Solo Plano

Parem de me vigiar, por favor!
Ceguem esses olhos vidrados, olhem para si,
Deixem que fluam minhas ações espontâneas,
Preciso fechar os olhos por um instante,
Sem que isso me constranja.
Você me completa até transbordar,
A sobra; embriaga meus sentidos
Em comportamentos transparentes e inflamáveis
Chega gato! Esfrega o rabo e some.
Ai de mim que não posso fugir de minha sombra,
Que convivo com estranhos que julgam me conhecer...
Diz, se no final mascar a corsiva não teve mais sabor;
Do que bulinar o charque velho e salgado...
Quando terminar isso enfie-me uma faca devagar,
Leia as plaquetas antes que se juntem ao chão
Veja se te convencem do meu amor
A que preço se misturam com a terra,
Com que apreço beijam o teu solo plano.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Antídoto Adiante

Se adiantou-me
adiantar-te?
Não, odiou-me,
adiou-me.
Do antídoto,
Não me adianta.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

VERMELHO

Pintei a boca tão puta, pintei as patas, 
Escolhi a dedo um vermelho escarlate, 
Em meio a minha melhor cachaça, 
Ser condenada a viver tão natalina... 
Passe aqui e pendure a sua desgraça! 
Sinta esse meu cheiro de borracha! 
Vou inflando... Como me enche o saco! 
Despido, trêmulo e mole  O que te fiz?! 
Convence-me, mas não me amordaça? 
Guarda teu mistério em discografia, 
Digo moço, que tudo isso eu já sabia, 
Trepes e não me pergunte onde enfia. 
04/09/11
(Em memória de ...) 

domingo, 8 de dezembro de 2013

Causos e Prosas



E tudo saiu do saco do Ananias...
A dor, a festa, a promessa,
Os gafanhotos que quebravam os galhos
A foice repetitiva, o andar lento,

Digo que tudo saiu do saco do Ananias...
Devia ser velho rabugento ou o desbravador solitário?
A quantos bois escravos custou minha vida?
Laçou índias ou teria preferido negras?

E vai saindo do saco do Ananias...
Herdeiros emburrados, a garapa,
Os carrapatos das capivaras
A pinga e o cavalo ensinado

Sairá ainda do rugoso do Ananias?
O catira estralado, o doce no taxo apurado,
A sanfona do fole rachado,
Chamando casais a riscar um solado...



(juntamente com meu marido)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Sonho

Se apoderava de mim da forma mais natural que um homem já havia me feito, conversávamos a conversa mais gostosa, àquela que enche a boca d'água, e a hora em que talvez fosse a de um beijo sexual intruso, ele apenas me pegava pela mão e me carregava em punhos fortes e satisfeitos, continuava a conversar e rir, a rir e conversar com a naturalidade que um homem das cavernas carregaria uma mulher aos cabelos, como uma santa no andor, uma rainha na carruagem, uma gorda no caixão, como o salmão em rede de pesca. Eu o amei apenas por uma apunhalada de sonho, que ilusão...
(07/03/2012)

Escravos

Você tenta não ser um escravo da mídia,
Você tenta não ser um escravo da arte,
Logo, você tenta não ser um escravo do ego,
E tenta chegar sozinho num possível conceito de liberdade,
Seus neurônios dão as mão e sentam-se.
E você tenta pular a cerca sem que um arame lhe crave,
E você espera que algo mirabolante aconteça e te tire daqui,
Mas você não quer que tenha a ver com os céus,
Mas você não entende que tem a ver consigo.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Truncada

Quando o amor era um bicho de muitas cabeças eu queria domar,
montava e montava...
Quando o amor se tornou um bicho de uma cabeça eu queria domar,
desmontava-me.
Aprecio a grossa textura do sofá, num calor de pernilongos,
picavam e picavam...
E o único calor que espiava meu corpo
despia-me congelado.



sábado, 30 de novembro de 2013

Duros Dias

Matando meus demônios, um a um
Vão caindo ao chão,
Mas não consigo matar você.
Virá consumir minhas partes?
A carne, o sangue, o suor...
Egoísmo meu me poupar de você,
Não me arriscar a seus braços,
Ter que pensar, o que vai pensar!
Pudera eu não ter pensado em nada,
Não se lembra de mim?
De nossas incestuosidades?
Das pedras que me trazia do longínquo Oriente?
Oh meu caro irmão, quanto tempo o esperei,
Tantas noites perdi olhando petúnias secas...
E agora, que penso o encontrar, te calas?
Se se fecha pra nossa história
Penso se é hora de abrir-te os olhos ou ir-me embora.

(25/10/10)

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A Vida Desvivida

O que quero da vida se não vê-la passar
Deslizando gorda e doce sobre os falsos,
Quero a melancolia de um sol em minha cabeça
Relatividade, realidade; sem raciocínio...

O que quero se não que nós nos extingamos
Nostalgicamente num sono sem volta
Deixando o mundo de volta pras suas pedras,
Os insetinhos cavando suas casas sem os gigantes,

Passarinho fazendo ninho em antena de TV,
Quero a galinha chocando nossa privada,
Cheiro de flores... Bonsais sem podas.

Guardando a chaves minha utopia bucólica
No meu olhar macio e lento, na minha desvontade
Sonhando com uma vida desvivida.

Ascendente em Escorpião

Arregaçou as garras e se cortou ao pé da coluna,
Eu caí, sangrei... Um amputar necessário ?
Não preciso que o tempo me diga nada,
Haveremos de abraçar nossa leveza.

Unicórnio

O amor é um unicórnio sem chifre, e um unicórnio sem chifre é sem graça,
Um unicórnio sem chifre é um potro.
Um potro sem chifre é quem ele deveria ser.
Um potro sem chifre é um unicórnio que não ama.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O Cemitério e o Roxo

Quando eu era pequena demais para enxergar o alto caixão, me ofereceram o banquinho da verdade! Depois que ali pisei tudo foi mudando. Assim foi ver os lábios duma vó fria, tão roxos... A feia adormecida! Nunca mais quis saber da bala roxa que ela antes oferecia, Vê-la entrar na caverna do urso... Espero que desperte primeiro e fuja, devo ter pensado... Ainda sem querer entender da morte, dava vexame aos meus pais nos enterros, brincava de pular túmulos pra ir reparando as fotos, uma vez ergui uma suposta peruca da terra, espiava o saco de ossos, apagava as velas que não eram de aniversário, brinquei até com os bigatos da rachadura, era uma aventura! Mas quando a curiosidade alcançou a razão, lá estava eu possuída de medo, dormindo no meio de meus pais, chorando e pedindo pra que eles demorassem pra morrer... Os enchi de perguntas sobre o céu. Um dia meu cachorro morreu, meu irmão o encontrou duro, cunhando a terra, minha mãe disse que ele não podia ir pro céu, e naquele dia decidi não querer ir pro céu também. Quando a rebeldia da adolescência chegou, éramos mais um ciclo de jovens cabelos roxos, nossa forma de aceitar que tudo acaba. Quando se é adulto e pensa já poder lidar com uma vida mais pálida, houve ainda a morte de um Anjo, quando duas andorinhas se chocaram, e seu rosto era metade roxo, metade pálido. Tive ainda minha quase morte com sangue roxo esguichando de mim numa UTI... O curso de publicidade ousou me ensinar que o roxo claro causava uma positividade ? Bem, eu gostava era de marrom, amarelo... — Olha! — Avistando de uma colina — Um bolsão de coisas geométricas pequenas e coloridas, o que será que é? — meu marido me repreendeu — é um cemitério! E terminamos o que era a agradável viagem, sob o silêncio incurável de quem havia a pouco afagado nossa gelatininha de uva, inanimada, assassinada, feto natimorto pro Estado, nosso filho Vicente. Ainda me lembro da enfermeira tentando desfocar a agonia, pega as pontas dos meus dedos e pergunta — Que cor é essa ? Furta-cor ? Meio roxo? — E eu disse aos soluços — É da impala, se chama ne-ne-ne neném!