Noite, da janela te espiava como quem via a luz, você falava de
metafísica apalpando as paredes, o conceito estava errado, mas o teatro
era entorpecente, a você, tudo o que te chamou atenção no meu seminário
foi a minha blusa xadrez. Eu já estava tão apaixonada que não houve
informação que eu pudesse reter ou discordar. Logo, tudo foi escuridão
perto de você. Se eu tivesse uma filha tua, ela se chamaria Heroína,
pois foi meu vício, falência, morte... Às vezes penso mesmo se não sou
um fantasma preso em outra dimensão. Ou quem morreu foi você? Voltando à
cama sozinha, lendo de uma só vez a biografia de Nietzsche, e era mais
difícil com olhos inchados...
Você
se sentou no sol escaldante com uma lupa na mão, porque queria me dar
um presente único, exclusivo, nos gravou numa caixa de madeira, como se
fosse uma ilustração bíblica de casamento, poderia ter lhe custado a
visão, se fecho os olhos ainda posso ver: pombos, um burrico, um burrico
com louro nas orelhas. Eu nunca a ganhei, mas sei onde você a guarda. A
minha versão caixa-presente com tirinhas de jornal, se lembra? Melando
as mãos com cola de madeira até ficar perfeita, e você nunca a ganhou
também. Talvez elas guardem agora nossas lembranças, talvez não tenhamos
mais lembranças físicas, não, tem a minha tartaruga de mármore, que tem
me olhado de forma apedrejadora, aquela que tive que escolher...
Lembra do filme que precisava ser visto colorido, Você apagou tudo da
sua memória? mas a TV naquele dia estava PB, você não quis mais
assistir, mas disse que tinha a ver com a gente, preto e branco
permaneceu.
Você não tinha coragem às vezes, de atravessar a pedreira a nado, de
dormir com a janela aberta, você era ridículo tantas vezes, quando
dormiu com aquela Aloe vera, quando abraçou a namorada do seu amigo
pensando que era eu, nós fomos ridículos juntos, tirando foto no rabo
daquele dinossauro de cimento, roubando flores na rua, carregando móveis
abandonados, tomando chuva de moto, não havia frio, nem escuridão, nem
solidão. Você dizia que meu corpo à noite produzia espasminhos
delicados, engraçados, você me chamava de boneca de cera, porcelana ou
marfim? já não me lembro... Nós caçamos aqueles caramujos, lhe fizemos
uma cama de cal, mas que desperdício de vidas para um amor que não
vingaria. Deixe-me pela última vez indagar - O que foi verdade?
1 comentários :
Um dos filmes que citei aqui, é "Amor além da vida" com Robin Williams...
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