Os dias são outonos: choram...choram... Há crisântemos roxos que descoram... Há murmúrios dolentes de segredos... Invoco o nosso sonho! Estendo os braços! E ele é, o meu amor, pelos espaços, Fumo leve que foge entre os meus dedos!

-Florbela Espanca-

domingo, 25 de maio de 2014

A festa 1

Da vida eu tentei abraçar tudo. Menos Marcos que era gordo demais, que em meia hora não sabia pronunciar meu nome, outros não sabiam meu nome depois de dias... Na mesma festa que Marcos reluziu seus olhos claros pra mim, um outro se aproximou dizendo que muito achara meus olhos bonitos. Mas que grande baboseira! Ninguém acha olhos castanhos bonitos, Os claros são pedras preciosas, mas castanhos na escuridão é pedra aflorada que está para a terra. Um certo poeta achou, comparou-os com a tempestade, mas está morto. Na mesma festa (porque festas são longas) escolhi o  cara com cara de árabe, Tiago, eu não gostava de ser escolhida, quase nunca ou nunca... E naquela noite tudo o que aconteceu de realmente importante, foi ele descobrir que tinha diabetes. foi eu descobrir que talvez desse para abracar Marcos, e que não quero mais trocar de olhos com minha mãe que tem diabetes. Aquela ingrata me ensinou que seus olhos eram mais bonitos que os meus... Enquanto a mãe dum outro Marcos, o Pontes, bem... Este viu a terra azul, e lembrou dos olhinhos azuis da mãe que o apoiara com carinho, quanta inveja em meu coração.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Princesa farpada

No alto da montanha descansa
Nosso castelo rosa cravina,
Inacabado por dentro, acabado por fora,
Como leite estragado com mel...

Tens gozo de viver homem?
E pelo o que você vive mesmo?

Nos altos do baixadão descansa
A frondosa farinha seca,
A que tendo arames farpados em torno;
Resolveu os engolir.




sexta-feira, 9 de maio de 2014

Coração de caçamba

Ferrugem que arruína minha vida,
Latão abandonado em terreiro
Quebradiço que tenta resistir...
O que espera que aconteça ?
Que a jardineira venha lhe salvar?
És ácido demais, se entrega...

O passado ruiu poroso, tac tac...
Consegui quebrar mais uma parte,
Que pensam vocês ferrugens?
Podem ser irreversíveis e belas?
Tétano espreitando à escuridão,
O que pensa que vai conseguir?

Então lhe borrifaram veneno;
Enquanto a caçamba não chegava,
Meu coração não te recolhe mais não!
Se tornou sujo demais pra entrar,
Como um bêbado caído; espere,
Mas, eu nunca te chamarei de novo.



quinta-feira, 1 de maio de 2014

O vizinho ex-namorado



Nossos dentes doeram no mesmo dia,
Meu lixo juntou-se ao dele pra ir embora...
Meu cachorro caga na calçada dele,
O chorume dele escorre na minha.

Abrimos o portão juntos pra ir trabalhar,
E minha cabeça se arca subitamente ao chão,
— Não, vou, tropeçar...
Nos esbarramos na biblioteca como nos filmes,
Mas minha pilha de livros não caiu,
E ele já sabia meu telefone.

Caminho, tropeço, desequilíbrio...
Por que me equilibrar em seu desequilíbrio?

Ele cheira os lírios de minha bancada,
Eu cheiro a maconha dele do meu quarto,
Não reclamarei da minha passividade...
Como um deus invisível; se fez presente.