Os dias são outonos: choram...choram... Há crisântemos roxos que descoram... Há murmúrios dolentes de segredos... Invoco o nosso sonho! Estendo os braços! E ele é, o meu amor, pelos espaços, Fumo leve que foge entre os meus dedos!

-Florbela Espanca-

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O Cemitério e o Roxo

Quando eu era pequena demais para enxergar o alto caixão, me ofereceram o banquinho da verdade! Depois que ali pisei tudo foi mudando. Assim foi ver os lábios duma vó fria, tão roxos... A feia adormecida! Nunca mais quis saber da bala roxa que ela antes oferecia, Vê-la entrar na caverna do urso... Espero que desperte primeiro e fuja, devo ter pensado... Ainda sem querer entender da morte, dava vexame aos meus pais nos enterros, brincava de pular túmulos pra ir reparando as fotos, uma vez ergui uma suposta peruca da terra, espiava o saco de ossos, apagava as velas que não eram de aniversário, brinquei até com os bigatos da rachadura, era uma aventura! Mas quando a curiosidade alcançou a razão, lá estava eu possuída de medo, dormindo no meio de meus pais, chorando e pedindo pra que eles demorassem pra morrer... Os enchi de perguntas sobre o céu. Um dia meu cachorro morreu, meu irmão o encontrou duro, cunhando a terra, minha mãe disse que ele não podia ir pro céu, e naquele dia decidi não querer ir pro céu também. Quando a rebeldia da adolescência chegou, éramos mais um ciclo de jovens cabelos roxos, nossa forma de aceitar que tudo acaba. Quando se é adulto e pensa já poder lidar com uma vida mais pálida, houve ainda a morte de um Anjo, quando duas andorinhas se chocaram, e seu rosto era metade roxo, metade pálido. Tive ainda minha quase morte com sangue roxo esguichando de mim numa UTI... O curso de publicidade ousou me ensinar que o roxo claro causava uma positividade ? Bem, eu gostava era de marrom, amarelo... — Olha! — Avistando de uma colina — Um bolsão de coisas geométricas pequenas e coloridas, o que será que é? — meu marido me repreendeu — é um cemitério! E terminamos o que era a agradável viagem, sob o silêncio incurável de quem havia a pouco afagado nossa gelatininha de uva, inanimada, assassinada, feto natimorto pro Estado, nosso filho Vicente. Ainda me lembro da enfermeira tentando desfocar a agonia, pega as pontas dos meus dedos e pergunta — Que cor é essa ? Furta-cor ? Meio roxo? — E eu disse aos soluços — É da impala, se chama ne-ne-ne neném!

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